terça-feira, 31 de março de 2009

O dilema da porta giratória.

“Cliente de banco se queixa da porta giratória: ele diz que foi impedido de entrar na agência porque se negou a tirar uma jaqueta que tinha fivelas de metal.”

Cotidiano, 11 set 2000






Poucos dias depois do incidente com o homem da jaqueta, uma mulher, ainda jovem tentou entrar numa agência bancária e também ficou presa na porta.

Em princípio, os seguranças tiveram dificuldade em identificar que tipo de objeto havia sito detectado pelo equipamento eletrônico, mas a própria moça encarregou-se de avisá-los:

- É isto aqui.

Tratava-se de um grande broche de metal que ela tinha preso ao casaco.

- Pois então tire - disse o segurança.

Para sua surpresa, a resposta foi uma irritada negativa:

- Não tiro coisa nenhuma. E soltem de uma vez esta porta que eu quero entrar.

O gerente foi chamado. A ele a moça explicou, num tom mais cortês, que a jóia, na realidade uma bijuteria barata, era a última lembrança que tinha de sua falecida mãe:

- Ela pediu que eu a levasse sempre comigo. Tirar este broche, agora, seria uma afronta à sua memória.

Atrapalhado, o gerente não sabia o que fazer. Poderia, claro, endurecer; mas... se a moça armasse um escândalo? Se a coisa terminasse na TV, nos jornais? Decidiu consultar seus superiores. Enquanto isso, a moça teria de guardar ali, presa na porta.


- Não me importo - disse ela -, desde que eu possa cumprir o último pedido da minha querida mãe, nada é problema para mim.


O gerente telefonou para seu superior imediato, que também ficou perplexo com o dilema: nunca se vira diante de uma situação tão inusitada. Teve, pois, de ligar para a Direção Geral do Banco. Uma reunião de emergência foi convocada, contando inclusive com a presença de assessores da imprensa. Enquanto isso, a situação na agência caótica; as pessoas presas lá dentro tinham sido retiradas por uma porta lateral, mas a fila à frente era enorme. Ao telefone, o gerente implorava por uma solução.


Que finalmente veio; a cliente poderia entrar, com broche e tudo.


Uma vez lá dentro, o assalto foi rápido. Sacando um pequeno revólver da bolsa, ela mandou todo o mundo deitar no chão, a rotina de sempre. Coletou o dinheiro dos caixas e saiu sem problemas. Na pressa, o broche desprendeu-se do casaco e caiu no chão, mas ela não se deu ao trabalho de apanhá-lo. O gerente disse depois que nunca tinha visto tamanha falta de consideração com o último desejo de uma mãe moribunda.


O Imaginário Cotidiano
Moacyr Scliar

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