
Nelson é um guardador de carros de rua. Ele é visto, diariamente, em um quarteirão em frente ao meu local de trabalho, próximo a um dos hospitais mais movimentados de Porto Alegre. É mais um desses "flanelinhas" que pedem dinheiro, quando você estaciona o carro em seu "território". Agora ele é cadastrado pela Prefeitura Municipal, pois aqui em Porto Alegre os guardadores de carro ou "flanelinhas" são regulamentados, usando uniforme e crachá. Ele não cobra uma taxa fixa por estacionamento, ou seja, o motorista dá quanto quiser. Em geral, as pessoas dão desde moedas até notas de R$ 2,00 ou R$ 5,00, conforme o tipo de freguês. Além de guardar os carros, ele também presta um serviço de lavagem de carros, cobrando R$ 10,00 por lavagem, que é o único serviço com taxa fixa. Não sei de onde ele tira a água para lavar os carros, mas, provavelmente, de alguma torneira de uma das duas empresas que possuem sede no quarteirão que faz parte de sua jurisdição.
Conheço o Nelson há 10 anos, desde quando ele se estabeceu como guardador de carros em frente ao meu local de trabalho. Mas ele chamou-me mesmo a atenção um dia em que uma mulher apareceu no "seu local de trabalho" com duas meninas beirando os 04 anos de idade, cobrando pensão alimentícia atrasada. Após uma pequena discussão, e diante da negativa de levar algum dinheiro, a mulher subiu em um caixote e começou a gritar, fazendo um discurso em frente ao prédio da minha empresa, que deve ter umas 300 pessoas como espectadoras, blasfemiando todo o tipo de impropérios contra ele. Quando ela faz isso, para acalmá-la, ele sempre dá um dinheiro a ela, fazendo com que ela pare de gritar e vá embora. Teve uma vez que, inclusive, ela chamou a Brigada Militar (Polícia Militar do RS), a qual levou o Nelson preso, pois a mulher havia alegado que ele a tinha ameaçado com uma faca. Não sei se o Nelson a ameaçou mesmo, pois a faca que ele usa é uma faquinha pequena dessas de serrina, que ele usa para descascar frutas, coisa que eu por diversas vezes presenciei. Enfim, acho que ele já aprendeu a lição, pois faz muitos anos que ela não vai lá dar seu espetáculo gratuito para seus quase 300 espectadores. As duas filhinhas dele hoje estão com 08 e 06 anos, e são vistas pelo menos um dia da semana com ele, provavelmente, seu dia de visitas. As meninas são educadinhas, pois sempre a partir das 17h30min, que é o horário de término da jornada de trabalho da minha empresa, ficam no portão de saída dizendo para as pessoas: - Boa noite e bom descanso.
Um grande número de pessoas, além de dar o dinheiro do dia pela guarda dos carros, ajuda o Nelson e as meninas com roupas usadas e material escolar. Uma vez, uma das meninas ficou na minha volta, em frente a minha empresa, me pedindo dinheiro, quando foi repreendida pelo pai, que lhe disse: - Se tu ficares incomodando as pessoas, ninguém vai te dar nada na vida. Aquilo deixou-me pensando o que ele ensina para suas filhas. Na verdade, ele ensina o que ele pratica e acredita. Fiquei pensando se seria benéfico as pessoas darem dinheiro e roupas para o Nelson. Já escrevi em outro post sobre minha opinião de ser contra dar esmolas. Mas afinal de contas, o Nelson de alguma forma trabalha e merece ser recompensado pelo seu trabalho. Mas será que ele encara, realmente, aquilo como trabalho?
Não sei quanto o Nelson ganha, mas ele é visto todos os dias tomando cerveja após o expediente, em bares próximos dali, bem como almoça frequentemente no mesmo restaurante em que os funcionários da minha empresa almoçam. Um dia, saindo do almoço, vi ele recostando-se em uma cadeira dessas de lona, tipo "preguiçosa", para tirar uma "sesta". Passei por ele, quando o mesmo estava se acomodando na cadeira, e perguntei: - Ué, dormindo em horário de trabalho? E ele respondeu: - Estou em meu horário de almoço, e além do mais eu não tenho patrão, pois sou dono do meu próprio negócio. E eu tive que escutar essa calado, pois ele tinha toda a razão.
Certa vez, esperando um táxi na frente da minha empresa, para fazer um deslocamento em um serviço externo, conversei com o Nelson. Na ocasião, ele me disse que antes de ter seu "negócio próprio", trabalhou em uma metalúrgica com carteira assinada, na função de Auxiliar de Torneiro Mecânico, mas que como empregado ele ganhava muito pouco, quando comparado com o seu "próprio negócio". Disse-me na ocasião, que hoje ele mora em uma casinha modesta, em uma vila popular de Porto Alegre. Quando perguntei-lhe se ele morava sozinho, ele me disse que sim, e disse: - Aproveito a vida ao máximo, e nunca estou sozinho, pois sempre levo um corpinho diferente para casa.
Já vi, também, o Nelson ter um caso, apesar do seu jeito meio "maloqueiro", com uma estagiária, coisa mais linda, da empresa em que trabalho. Quando vi, não acreditei! Mas, várias vezes vi os dois abraçados e se beijando. Apesar de sua condição, o Nelson deve ter um bom papo com as mulheres.
Esse é o Nelson, um guardador de carros ou "flanelinha", que não declara imposto de renda, que não tem férias para não perder seu ponto, que teve dois "casamentos", que paga pensão alimentícia para duas filhas, e que vive a sua vida honestamente. Será um típico trabalhador ou empresário brasileiro?